Não é literatura
De que podemos chamar um conjunto de palavras impresso em algumas dezenas de centenas de folhas de papel?
Causou furor, no último sábado, a publicação de uma entrevista na Folha de São Paulo em que a professora Aurora Bernardini afirma que boa parte dos escritores contemporâneos (especialmente os mais vendidos) não estariam fazendo literatura. Tomando como exemplo a produção bibliográfica de Itamar Vieira Jr., Annie Ernaux e Elena Ferrante, Bernardini disse que "podem até ser interessantes, mas não são literatura".
À primeira vista, essa afirmação pode causar estranheza. Como pode um livro não ser literatura? De que podemos chamar um conjunto de palavras impresso em algumas dezenas de centenas de folhas de papel? A que corpo coletivo pertence um livro, por melhor ou pior que ele seja? A resposta a essas perguntas nos parece óbvia: se é um livro, se é ficção, logo pertence à classificação "literatura". À medida, no entanto, que analisamos melhor a produção de livros no Brasil atual, percebemos que Bernardini tem razão.
O Torto arado de Vieira Jr. é, na verdade, uma máquina de lavar roupas. Jeferson Tenório, em O avesso da pele, pode parecer estar fazendo literatura, mas não se engane: é uma furadeira. Em O crime do bom nazista, Samir Machado de Machado esconde do leitor até a última página que o livro é na verdade um jogo de panelas. Maria Valéria Rezende já publicou cercas de arame, piscinas infláveis e alicates de cutícula. Michel Laub é um habilidoso fabricante de cestos de vime e os livros de Veronica Stigger são na verdade azulejos.
Em seu multifacetado livro de contos, Nostalgias canibais, Odorico Leal conseguiu fazer, com apenas um livro, um lençol, um cubo mágico, um arranjo de flores e uma mesa de fórmica. Quem se habituou ao estilo seco de Ana Paula Maia sabe que ela faz na verdade implementos agrícolas dos mais variados. André de Leones, por sua vez, pode parecer estar fazendo literatura, mas na prática é um dissimulado panificador. Paulo Scott nos oferece gravatas.
Luisa Geisler é uma exímia sorveteira, Bruno Ribeiro fabrica salsichas artesanais e Daniel Galera produz ornamentos para aquários. Jarid Arraes faz tapetes, Irka Barrios vende tijolos e Roberto Denser, pizzas de quatro queijos. Giovana Madalosso faz esquadrias de alumínio e Tobias Carvalho, pinheirinhos de Natal. Com seu primeiro romance publicado, Como nascem os fantasmas, a talentosa costureira Verena Cavalcante fez um lindo vestidinho de boneca. O casal Tiago Germano e Débora Ferraz, por sua vez, são uma cooperativa que viabiliza tomates selecionados (muito saborosos, diga-se de passagem).
Um dos melhores romances brasileiros da última década, Noite dentro da noite, de Joca Reiners Terron, surpreendentemente é uma air fryer. Nara Vidal despertou a atenção de leitores com seus livros que, na verdade, são bibelôs de porcelana. Fabiane Guimarães oferece uma variedade de garfos e facas, além de outros talheres. Micheliny Verunschk faz caixas de fósforo e José Falero, roldanas para portas de correr. E o que dizer dos livros de Antonio Xerxenesky? São cocadas.
Roberto Menezes faz charutos. Já os livros de Vinicius Portella, são cachorrinhos de pilha que dão cambalhotas. A mulher de dois esqueletos, livro de Julia Dantas, é uma travessa de gelatina.
Quanto a mim, basta dizer que acabo de publicar meu novo livro, Frankito em chamas, o que não significa em hipótese alguma que intentei produzir literatura. Obviamente, trata-se de uma caixa de parafusos.
Meu novo livro, Frankito em chamas, já está à venda nas livrarias e ferragens e pode ser encontrado no site da Todavia e na Amazon.




Poxa, eu achei que a nossa fachada pra lavagem de dinheiro com a literatura jamais seria descoberta.
Estava "poxa, queria que ele me incluísse..." até chegar ao meu nome e é isso! É isso, cara. Eu faço tapetes.
Lindeza ❤️