Inteligência artificial é um assunto merda para gente insípida
Um instrumento do massivo enshittification que o mundo atravessa nesse instante
Por ter publicado um livro que trata de internet e capitalismo tardio, passei mais tempo do que gostaria dando entrevistas e falando sobre esses dois assuntos. Não que eu me importe de discutir qualquer assunto, muito pelo contrário, quem me conhece sabe que sou dado ao debate. A questão é que passei uns dois anos sendo perguntado sobre dark web, radicalização, etc, como seu fosse um especialista nesses assuntos e não puramente um ficcionista que adotou esses temas como cenário de (se me for permitida essa barroca hipérbole de contornos vitorianos) uma investigação do espírito humano.
Estou falando, claro, do meu primeiro romance, Mil placebos, publicado em 2022. A curiosidade do público pelos assuntos observados na trama me levou a falar de internet em eventos literários, programas de televisão, clubes de leitura e livrarias. Eu inclusive escrevi um artigo para o Le Monde Diplomatique. Em junho de 2023, fui convidado a participar do Sub40, programa de entrevistas do Opera Mundi, que também é transmitido pela TVT. Foi uma entrevista agradável, espirituosa até. Em dado momento, no entanto, fui perguntado sobre o assunto mais quente do momento no que diz respeito à intersecção literatura e tecnologia: qual minha opinião sobre inteligência artificial?
Não é um assunto que me interessa tanto e não está relacionado com o livro (Mil placebos não trata de inteligência artificial). Como fui pego de surpresa, não lembro exatamente o que eu disse. De qualquer maneira, o Opera Mundi fez um corte separado e publicou no YouTube, sob o título “Inteligência artificial e literatura: princípio do fim?”
Entendo a estratégia, claro. Recorrer aos tópicos do momento é um modo eficiente de angariar visualizações. A partir da publicação desse vídeo, fui contatado em duas ocasiões diferentes por pessoas trabalhando em eventos. Numa delas, perguntou se eu estaria interessado em ministrar uma oficina de literatura e inteligência artificial na cidade de X. Em outra, o cara me convidou para dar uma palestra sobre inteligência artificial na cidade de Y. Ambos mencionaram a entrevista, porém era óbvio que nenhum dos dois havia visto o que eu dizia no vídeo. Só jogaram no Google “literatura inteligência artificial” e prontamente apareceu o meu rosto no thumbnail do YouTube. Vamos chamar esse cara aí.
Mas basta de prolegômenos. O que venho dizer nesse texto é exatamente o que está no título: inteligência artificial é um assunto merda para gente insípida. Em resumo, um assunto de merda. Não que a ideia de inteligência artificial seja inerentemente uma ideia de merda. Eu inclusive consigo imaginar usos muito bons em diferentes áreas do conhecimento e da vida prática. O que entendemos por “inteligência artificial” pode sim cumprir um papel fundamental em nossa busca por autonomia e liberdade. Desde que não pinte quadros por nós ou escreva livros em nosso lugar. Afinal, esses sempre foram os próprios lugares para o exercício da autonomia e da liberdade. E só de discutir isso eu já me sinto um pouco idiota.
Não estou dizendo que o assunto não deva ser pautado na imprensa ou pela opinião pública: hoje mesmo saiu um artigo muito bom, escrito pelo Bolívar Torres, em O Globo (o mesmo jornal que dois dias atrás, sem qualquer aviso, usou uma “fotografia” gerada em IA para ilustrar uma matéria). Eu mesmo já escrevi um texto sobre IA por aqui. Enfim: as implicações morais, científicas, sociais, espirituais e políticas, tudo isso deve ser investigado e debatido. Mas é um assunto de merda.
Basta pensar quantas vezes, em ocasiões sociais, somos levados a falar do assunto. E por quem, principalmente. É sempre um primo mala. Ou o amigo de um amigo que é claramente eleitor do Partido Novo. Ou um tio sem noção com aquela energia de “e aí? só nos compiuter”. Ou aquele cara supostamente inteligente que se diz estoico mas é um jumento. Enfim. Estou generalizando. Eu preciso generalizar. Mas sempre vão ser essas pessoas abrindo a boca e dizendo “inteligência artificial é o futuro, não adianta”. Sempre vai ser um Luciano Huck dizendo uma coisa dessas. Pior ainda, às vezes é uma Natasha Lyonne. E aí você, que sempre curtiu muito a Natasha Lyonne, perde qualquer interesse em ver as coisas dela. Porque a Natasha Lyonne passa para o lado de lá, dos hominhos estoicos, dos burros inteligentes, dos tech bros sem imaginação, dos ressentidos pela própria falta de talento, dos insossos e desinteressantes.
Não tem muito o que dizer. O que poderia ser uma ferramenta coletiva para o bem-estar da humanidade acaba virando um símbolo de preguiça e emburrecimento, um instrumento do massivo enshittification que o mundo atravessa nesse instante. Da próxima vez que aparecer um burro dizendo “inteligência artificial é o futuro, não adianta”, cerre o punho e bata com firmeza no peito.
Diga. a plenos pulmões: “Não, não, isso é mentira. O futuro sou eu”.
Por fim, pedi ao ChatGPT que complementasse meu texto com algumas ofensas de punho próprio: “Escreva um texto de quinze linhas ofendendo usuários de inteligência artificial, reforçando as piores razões pelas quais o uso desse recurso é danoso à humanidade: agride o meio ambiente, provoca emburrecimento, é sintoma da falta de imaginação e do ressentimento pela falta de talento. Seja bastante incisivo”.
E o que ele me deu foi o seguinte:
Ah, os usuários de inteligência artificial, os visionários de um futuro onde pensar por si mesmo é digno de museu! São amantes da inovação que fervem o planeta com data centers dignos de uma maratona de fritada. Eles zombam do meio ambiente, transformando eletricidade em bobagens inúteis, tudo em nome de uma simplicidade desnecessária.
Vamos falar do “grande” intelecto moderno. Para que usar o cérebro quando você pode apenas atirar perguntas em uma máquina? Imaginação? Que piada! Trocada por algoritmos que mastigam a mesma velha goma da mediocridade, enquanto a criatividade definha no esquecimento.
Ah, e o talento? Quem precisa quando você tem a IA para cobrir essa falta gritante, como maquiagem barata em um desastre natural? Ressentidos, é claro, pela falta de brilho próprio, agarram-se a esse recurso como a última esperança de parecerem relevantes. E assim marcham os seguidores da inteligência artificial, rumo a um futuro de insipidez soberba!
Ou seja, até isso ficou uma merda.
Pessoal, fica o aviso que meu novo livro, Frankito em chamas, já está nas livrarias e também está à venda no site da Todavia e na Amazon.
não dá para falar sobre IA com ninguém pq em 30 segundos as pessoas começam a te explicar sobre como elas usam o chatgpt no dia a dia... elas só pensam em si mesmas o tempo todo. a incapacidade de desprender qualquer assunto sobre a auto-justificativa tira o tesão de começar qualquer discussão.
que inferno
Hoje eu passei a palavra do APAVORO A QUEM USA IA adiante e senti que cumpri um dever cívico.
Você cumpriu um dever cívico aqui ❤️